Relatorio Alternativo na CERD

Pessoas negras com deficiência enfrentam racismo sistemático e exclusão no Brasil, de acordo com relatório apresentado às Nações Unidas.

O relatório destaca como esse grupo está super-representado em populações de rua, prisões e instituições segregadas e enfrenta barreiras significativas para o acesso ao trabalho, educação e cuidados de saúde de boa qualidade. Também constatou que pessoas negras com deficiência são frequentemente excluídas socialmente e correm maior risco de violência, sendo as mulheres negras com deficiência o grupo com maior probabilidade de sofrer violência.

Os autores do relatório pedem ao governo brasileiro que melhore a coleta de dados nacionais sobre essas questões e implemente políticas para corrigir as violações dos direitos humanos de negros e pessoas com deficiência em todo o país.

Pesquisadores da Universidade de York, juntamente com membros do Minority Rights Group International e do grupo do Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (Disabled Black Lives Matter), apresentarão as conclusões ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial em Genebra nos dias 16 e 17 Novembro.

Evidência

O coautor, Dr. João Nunes, do Departamento de Política da Universidade de York, disse: “Um problema fundamental no Brasil é a falta de dados centralizados sobre as experiências de negros e outras pessoas marginalizadas com deficiência. Argumentamos que abordar isso é um primeiro passo crucial para o governo, pois fornecerá uma base de evidências para políticas de combate à discriminação, exclusão e violência destacadas em nosso relatório.

“Pedimos ao governo brasileiro que tome medidas urgentes para melhorar o acesso à educação e moradia para esta comunidade e remover as barreiras ao mercado de trabalho. Também são necessários programas para combater a violência contra pessoas com deficiência e apoiar cuidadores para que todas as pessoas com deficiência e suas famílias tenham o direito a uma vida digna em casa e nas suas comunidades, ao invés de serem segregadas em instituições”.

Marginalizado

Luciana Viegas, diretora do grupo brasileiro Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam, acrescentou: “Nosso relatório é uma revisão histórica da situação dos negros com deficiência no Brasil, uma vez que nós, população negra com deficiência, fomos marginalizados ao longo da história. Compreender a importância de debater e compreender a situação do negro com deficiência no Brasil é saber onde estamos e onde estivemos socialmente situados.”

“É importante para que acabemos com mortes ou violências como a de Genivaldo de Jesus Santos, que foi torturado até a morte pela Polícia Rodoviária Federal no início deste ano. Histórias como essa têm sido uma constante no Brasil e nos fazem perceber que a maioria da população que tem sido vítima de racismo institucional e de capacitismo estrutural é a população negra com deficiência.”

Luciana Viegas

Zika

O relatório compila dados de ONGs, bancos de dados do governo e pesquisas nacionais para investigar a extensão da discriminação enfrentada pela comunidade negra e com deficiência no Brasil.

Ele destaca como a epidemia de Zika em 2015 afetou de forma esmagadora as mulheres negras no Brasil, com 77% dos bebês nascidos com microcefalia de mães negras ou mestiças.

O Dr. Nunes acrescentou: “A disseminação do Zika tem sido associada a saneamento precário, desnutrição, acesso deficiente a contraceptivos e condições de vida precárias, que são mais prevalentes entre as comunidades negras no Brasil.

“Nosso relatório destaca como o zika é um exemplo importante de como os negros são desproporcionalmente afetados pela discriminação por deficiência no Brasil. Os filhos do zika têm agora seis ou sete anos e enfrentam barreiras significativas para acessar cuidados médicos e educação de boa qualidade”.

Escravidão

Segundo os autores do relatório, o racismo sistêmico e o capacitismo no Brasil têm suas raízes na escravidão. A escravidão no Brasil durou 350 anos, sendo finalmente abolida em 1880. O tráfico ilegal de pessoas continuou muito depois dessa data.

Particularmente preocupante é a situação das comunidades tradicionais conhecidas como quilombolas, descendentes de africanos escravizados que escaparam do cativeiro e estabeleceram comunidades à margem da sociedade escravocrata. Suas necessidades específicas têm sido muitas vezes negligenciadas e elas têm sido sistematicamente excluídas das discussões políticas, dizem os pesquisadores.

Único

A coautora do relatório, Lauren Avery, que é estudante de doutorado na Universidade de York e coordenadora do Projeto de Deficiência do Minority Rights Group International, disse: “A discriminação contra pessoas com deficiência por parte de grupos minoritários e indígenas é um problema em países ao redor do mundo e não é exclusivo do Brasil. No entanto, nosso relatório procura encorajar os formuladores de políticas brasileiras a reconhecer como as questões de racismo, incapacidade e pobreza se cruzam, com a discriminação afetando desproporcionalmente os negros e outros grupos minoritários no país.

“A história da escravidão no Brasil e as conceituações socioculturais de deficiência como infortúnio ou fraqueza têm colocado pessoas negras com deficiência com mais frequência nas posições mais vulneráveis e violentas da sociedade brasileira. A pesquisa de nossa equipe sobre os dados do Censo também mostra que os negros são significativamente mais propensos a vivem em áreas inacessíveis para cadeiras de rodas e com pavimentos, saneamento, iluminação e drenagem inexistentes ou inadequados.

“Nosso relatório busca aumentar a conscientização sobre essas questões na sociedade civil brasileira e trazer a necessidade urgente de ação ao Comitê Internacional de Direitos Humanos e ao Estado brasileiro.”