Liberdade para Sônia: nota de indignação contra decisão judicial do STJ e STF

Hoje, 21 de setembro, dia nacional da Luta das Pessoas com Deficiência, o VNDI-Brasil se vê indignado com a decisão judicial que decidiu manter Sônia Maria de Jesus, mulher negra com deficiência, aos cuidados do desembargador que a manteve em condições análogas a escravidão durante anos.

Aos 50 anos, Sônia é mais uma vítima do racismo que objetifica e considera corpos pretos ferramentas para o trabalho braçal, e do capacitismo que busca retirar qualquer resquício de valor e de dignidade. Sobretudo, quando esse corpo apresenta alguma fragilidade e a impossibilidade de defender-se diante das diversas opressões e violência ao qual está exposta. 

Vemos com muita decepção essa decisão do STJ e do STF, pois não só contribuíram com esse trágico desfecho, como validam os atos do desembargador que decidiu “adotar” a vítima após anos de encarceramento e maus-tratos, mesmo após a investigação.

Isso reforça todo o sistema racista e capacitista estrutural da nossa sociedade, e desvaloriza todo o esforço dos movimentos sociais em combater o trabalho escravo e garantir os direitos das pessoas pretas e pobres que vivem em situação de extrema vulnerabilidade em nosso país. 

O VNDI se posiciona contra essa decisão judicial e pede por justiça a Sônia. Que ela possa viver seus dias longe de todo o ciclo de violência em que esteve presa no passado e ter acesso a uma melhor qualidade de vida.

Entenda o caso

Sônia Maria de Jesus, tem 50 anos, é uma mulher negra com deficiência (possui surdez bilateral e deficiência intelectual), analfabeta e vive na cidade de São Paulo. Aos oito anos foi viver com a sogra do desembargador com a autorização da mãe autorizar como forma de protegê-la da violência paterna. Após um ano foi morar na casa da família do desembargador em Santa Catarina onde viveu até ser resgatada em 2023. 

Durante o período em que esteve na convivência com a família, não há dados que comprovem que Sônia tenha frequentado a escola – regular ou especializada – e registros de que só teve seus documentos emitidos entre os anos de 2019 e 2021 já aos quarenta e seis anos de idade. 

No último mês de junho, ela foi resgatada da casa da família após executar durante quase 40 anos  serviços domésticos, após denúncia do Ministério Público do Trabalho de SC. Durante a deflagração, a polícia recebeu relatos de que Sônia dormia no quarto de empregada e realizava tarefas domésticas sem receber salários ou ter direitos trabalhistas. Também comia na cozinha com os demais empregados da casa e não recebia os mesmos tratamentos dos filhos do desembargador, não usufruía das viagens, e não tinha convívio social. 

Após ser resgatada da casa da família Borba, a mulher foi encaminhada a uma entidade que presta assistência social e psicológica. No entanto, o desembargador entrou com uma ação cível em que alegava que Sônia era como se fosse uma “filha”, realizou visitas ao abrigo em que ela se encontrava durante as investigações e manifestou seu interesse em adotar Sônia, garantindo-lhe inclusive direitos hereditários. 

Com isso o STJ autorizou o retorno dela à casa do magistrado se assim desejasse. O que acabou, de fato, acontecendo. Decisão esta que foi reforçada pelo STF após o entendimento de que “A suposta vítima do delito viveu como se fosse membro da família”, como citado pelo Ministro André Mendonça ao justificar a decisão. 

A mesma nunca foi reconectada à família biológica novamente que chegou a considerar que estivesse morta. Seus familiares ainda residem no mesmo local em que ela vivia com a família, e segundo consta sua mãe buscou incessantemente pela filha até seu falecimento em 2016.

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