O Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) vem por meio desta nota prestar solidariedade a Jô Nunes, militante pelos direitos das pessoas com deficiência há 33 anos, pelo racismo sofrido na 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Iniciou sua militância após o nascimento de sua filha, Jéssica. A criança recebeu o diagnóstico de Síndrome de Williams, uma doença rara que tem sintomas orgânicos, e deficiência intelectual. Anos de luta por políticas públicas para tratamento, manteve sua atuação mesmo após o falecimento da sua filha.
Fundou a Associação Brasileira da Síndrome de Williams – ABSW, foi conselheira do Conselho Municipal de São Paulo, por dois mandatos, um como presidente e outro como conselheira estadual. É conselheira nacional do CONADE, contribuiu na organização das primeiras discussões para construção de declarações da ONU, LBI, Portaria 199/2014, entre outras lutas.
Foi funcionária da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, trabalhando no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, por quatro anos. Atualmente é presidente de honra da ABSW, voluntária em várias associações, movimentos, coletivos de mulheres e de famílias.
Relato de Jô Nunes feito no dia 19 de julho, em sua rede social facebook:
“Fui para Brasília no dia 10/07/2024, no dia 11 fui representar o CONADE no fórum Interconselhos e nos dias 12 e 13 teve a 1ª Reunião Extraordinária do CONADE. Dia 13, durante a Reunião a Presidente do CONADE e Secretária Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência me comunicou que a comissão organizadora havia me escolhido para a mesa de trabalhos de encerramento da conferência. Na hora fiquei surpresa, questionei o motivo da escolha, aí falaram que eu ia representar a mulher negra, até fiquei preocupada com tamanha responsabilidade.
Iniciou a conferência … abertura, dias de palestras, também recebi a incumbência de ser facilitadora no Grupo 9 dos Trabalhos. No dia de encerramento me dirigi para o auditório preocupada que ninguém da comissão havia me orientado sobre a mesa de trabalhos do encerramento, por onde entrar onde iríamos nos reunir. Foi difícil passar pela segurança…
Quando entrei estavam firmando a mesa, fiquei próxima do palco esperando ser chamada, minha surpresa foi que formaram a mesa com quatro pessoas brancas e não me chamaram, aí o conselheiro Wagner se juntou a mim e fez gesto para a secretaria que eu estava lá, ela me viu e me ignorou.
E eu ali em pé e eles iniciaram a mesa me ignorando, fui e me sentei no plenário, demorou para a minha ficha cair que eu tinha sofrido discriminação racial, os conselheiros começaram a reclamar no grupo de whatsapp do CONADE. Para piorar colocaram uma cadeirinha na lateral da mesa e veio duas pessoas da organização cochichar no meu ouvido que se eu quisesse tinha um lugar para mim.
Nesta hora o meu mundo desabou, porque se a Sra. Anna Paula deve ter percebido o erro, mas ela tinha que se retratar publicamente e ter me chamado para mesa, eu sai daquele auditório transtornada eu passei muito mal…Quem nunca passou por isso, tente imaginar, é um sentimento muito ruim.
O que eu estou relatando aqui não é que eu fazia questão de sentar na mesa, as pessoas que me conhecem, sabem o tanto que sou humilde, que eu nunca fiz questão de aparecer. Mas sim da falta de respeito com a minha condição de mulher negra e mãe cuidadora, que nunca tem lugar de fala.
Foi uma conferência maravilhosa com muitas discussões e debates. Mas os bastidores, as pessoas foram horríveis, conselheiros da sociedade civil foram deixados para trás.
Eu me reuni com os meus advogados e estamos tomando todas as providências.
O mais triste é receber telefonemas dos próprios colegas conselheiros me pedindo para deixar isso para lá, parece que isso é uma coisa normal? Eu participo de espaços lutando contra a discriminação, preconceito e luto pelos direitos e aí sofro isso dentro do próprio conselho onde milito por direitos?
A Secretaria Nacional faz parte do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania que tem um Ministro Negro, como pode permitir a discriminação com uma mulher negra?
Eu vou em eventos organizado pelo governo onde montam-se mesas lindas com o representantes da pessoa com deficiência, indígena, negros, mulheres e outros seguimentos, tiram várias fotos, aí o governo fala e se dissolve a mesa, será que ninguém percebeu que estamos sendo enganados?
Onde está a participação social?
Eu faço um apelo para toda a sociedade civil, a gente tem que acordar, nos unir para construir um Brasil para todos e não só de aparência.
Termino esse desabafo, agradecendo a solidariedade e o carinho de todos.”
Assinam essa nota:
Coletivo Nacional de Saúde Quilombola (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ)
Coletivo Acessibilindígena
Mateus Brito (Doutorando ISC/UFBA, ativista quilombola da CONAQ).